27 setembro 2007

A Flor da Saudade


Decidi uma coisa. Toda quinta-feira vou dar vazão a um sentimento: saudade, esse sentimento tão comum e recorrente em nossos corações que nos provoca outros tantos sentimentos. As vezes é difícil explicar a saudade. Chico Buarque a define bem: a saudade é o revés do parto. Raramente sentimos saudade pura e simplesmente, digamos, isoladamente. A saudade bate e, não obstante seja comum nos fazer solitário, ela quase sempre vem acompanhada. Creio até que na maioria das vezes, pelo menos pra mim, a saudade vem bem acompanhada. Trás com ela alegria, bem-estar, e um sentimento de que se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi. Aliás, fugindo totalmente do assunto, lembrei! Tem uma loja no Rio Sul Shopping chamada Q-VIZU, que tem umas camisetas temáticas muito criativas. Tenho duas! Uma delas inclusive o Luciano Hulk vestiu um dia no seu programa, inspirando-se em mim, é claro! Que falta de originalidade! E recentemente vi uma que não comprei nem sei porque, justamente com os versos do Rei que citei acima. Maneira!

Mas voltando ao que interessa, para inaugurar essa coluna semanal vou tentar traduzir em palavras a minha maior saudade. Antes porém, será preciso contar uma história.

Em junho de 1973 nascia, no Hospital Geral de Bonsucesso, zona da Leopoldina do Rio de Janeiro, um menino. Ele era o quarto filho de um casal, oriundo de Belém do Pará. Estavam no Rio de Janeiro há poucos anos. Vida difícil dessa mãe, sobretudo pela inconsequência e irresponsabilidade do pai, que estava entregue a bebida e às noitadas, deixando de lado a assistência à família. A mãe restava cuidar das crianças e batalhar uma renda extra através da atividade de costureira, valendo-se do talento que Deus lhe deu. Tamanha era a dificuldade que andavam mudando de casa em casa em razão de despejo por falta de pagamento.

Quando nasceu o menino a família morava numa pequenina vila de casas na Rua Frei Caneca, Centro do Rio. E foi justamente lá que eles tiveram a sorte divina de encontrar a generosidade, a bondade e o que podemos chamar de amor ao próximo, personificados em uma senhora com nome de flor. Era a dona da casa onde moravam e também vizinha de porta, pois residia na casa ao lado. A senhora, atenta, percebia a dificuldade daquela mãe, daquelas crianças, e principalmente do menino com meses de vida. Foi então que ela passou a ajudá-la, tomando conta do pequeno menino para que a mãe pudesse buscar trabalhos como costureira, suportando os constantes atrasos do pagamento do aluguel e por vezes dando de comer às crianças.

Certa vez, a mãe viveu uma passagem que demonstra a infinita bondade daquela flor. Era véspera de Natal e o pai, para variar, havia sumido. Ela, com três filhos - o pequeno ainda não havia nascido - resolveu procurá-lo na casa da sogra. Isso porque, não raramente, a mãe recebia os filhos para "farras" familiares, a revelia das esposas. Era como um clã. Fato é que chegando lá, já ao cair da tarde, o pai não estava. Sabe Deus onde se enfiara. Para piorar chovia torrencialmente. Desapontada, apesar da chuva, preferiu voltar para casa, muito provavelmente levada pela esperança de que seu dito marido lá estivesse a lhe esperar. Quem sabe até, com algo para a ceia de natal, afinal de contas, o espírito natalino une, congraça as pessoas. Até as redime. Tudo que essa mãe queria era uma ceia de natal digna para sua família. Era esse seu sonho de natal. Mas aportaram em casa e nem sinal do pai daquela desamparada família! A tristeza se abateu! É difícil imaginar o sentimento de uma mãe com três filhos carentes daquela magia natalina: ceia, Papai Noel, presentes. A verdade absoluta é que natal sem criança feliz, não é natal.

A senhora vizinha, atenta aquele movimento na casa do lado, não resistiu e bateu à porta para saber o que se passava. Ficou muito tocada ao se deparar com aquela situação e, quase por impulso, tratou de providenciar uma ceia para aquela família cedendo parte da sua. E não os trouxe para sua casa, como seria comum imaginar, por extrema sensibilidade e sabedoria. Ela sentiu que aquele família não carecia de uma ceia simplesmente, mas que isso, precisavam naquela noite da própria ceia em seu seio.

Essa assistência, tornou-se mais constante após o nascimento do menino, as brigas entre o casal também. Mas a senhora não tomava partido, a não ser das crianças. Até que um dia aquele pai pegou o menino no colo, foi ao encontro daquela senhora e disse:

- Tome, estou lhe dando o meu filho!

E assim, passou o menino aos braços daquela senhora, com certidão de nascimento e tudo. Serena, ela respondeu:

- Meu senhor, acalme-se, não quero o seu filho. A única coisa que posso lhe prometer é que farei por ele tudo que puder. Isso sim, eu faço. Não me custa. Porque ele não tem culpa de nada. Volte pra casa com seu filho!

Prometeu e cumpriu. Essa senhora, com nome de flor do campo, de generosidade infinda, que prometeu ajudar, cuidar e criar o menino, por quem nutriu profundo amor materno desde nascido, chamava-se Margarida. E aquele menino, a quem a senhora chamava de "meu menino", hoje é um homem que cultiva um amor transcendental, uma gratidão eterna e uma saudade incomensurável por essa flor. Esse homem sou eu.

Deus é tão magnânimo em sua sabedoria e bondade, que sabedor da falta que me causaria essa flor, no mesmo ano que a levou para embelezar seu jardim, deu-me a pureza do "meu menino" Davi. Que certamente, veio com as bênçãos dessa avó especial, que olha por nós de onde está. Não tenho dúvidas.

A minha maior saudade é ela, minha mãe de alma e coração. SAUDADES!!!

4 comentários:

Bia disse...

Acredito que não há sentimento mais doloroso que a saudade... Saudade de um tempo, saudade de um amigo, do amor perdido, da infância...da mãe tão querida que se foi... essa talvez seja a saudade mais pungente.
Embora ainda não tenha sentido essa saudade "saudade de minha mãe"
Muito linda a sua homenagem a D Margarida, mulher que não conheci embora seja profunda admiradora pelo gesto de carinho, bondade e amor quando decidiu por sua vez cuidar desse menino que hoje se tornou um homem de sentimentos nobre e em especial um grande pai.
Com certeza lá do jardim do papai do céu ela está olhando por "esses meninos"...

Beto disse...

É amiga, a saudade dói. Mas no fundo é uma dor curtida, consentida...

Obrigado pelas palavras carinhosas de sempre!

Beijos

Unknown disse...

Saudade muitas vezes faz chorar... Às vezes de tristeza (por não termos mais aquela época desejada, ou por estarmos longe de quem amamos, enfim, por tantos possíveis motivos...).

Mas o mais legal é quando choramos por termos sido tomados por uma emoção tão grande, por um sentimento de carinho "tamanho gigante", por sentirmos que ainda existem motivos para acreditarmos no ser humano... Como eu senti quando li a linda história que aconteceu com vc...

Junho de 1973... Poucos meses depois, eu também nasci. Infelizmente não conheci D. Margarida, mas espero ainda encontrar uma flor semelhante a ela no jardim da minha vida... Porque, após saber que uma linda flor existiu em um mundo tão árido e carente de amor como o nosso, tenho esperança de que outros "exemplares raros" como ela sejam encontrados. Sinceramente.

Carlos (que um dia eu ainda hei de esquecer a chamada da escola e conseguir chamar de Beto), parabéns por ter uma história de vida tão linda... E, principalmente, por compartilhá-la conosco e trazer-nos de volta a esperança em dias melhores...

Essa mexeu com meu sentimento, viu?

Beijo (saudoso),
Sandra.

"Para sempre é muito tempo. O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo... "
(Mário Quintana)

Anônimo disse...

É doi muito mesmo perdi minha mãe ja faz 10 mesês, ainda não me conformo, mais Deus nos da o conforto que precisamos e nossa familia também um forte abraço pra vc e sua familia.