08 novembro 2007

A pimentinha

É de senso comum que podemos ter saudade daquilo que não vivemos, seja no passado, ou mesmo no futuro. Eu posso dizer que sim. Já experimentei as duas situações. Saudades daquilo que vive, presenciei, passei e saudades daquilo que muito queria viver, presenciar. Esta, por sinal, mais incomum. Como podemos sentir saudades daquilo que sequer aconteceu!? Acho eu que é possível, ressalvada, claro, a licença poética da coisa. E dei conta disso justamente ao ler um poema, que se faz entender:

Daquilo que não vivi
Nunca me esquecerei
do que não houve entre nós.
Da tua ausência
enchendo de espera
tomando de desespero
os restos do nada.
Jamais apagarei da memória
o que não aconteceu,
o que eu tanto queria,
o que desejei com força
e o destino cuidou de evitar.
A lembrança ainda é úmida,
a saudade beija a razão.
É recente a brasa,
ardente e perene,
dos sonhos em vão
de todo um momento
que não passou.
Bem, disse isso, porque a saudade que trago hoje aqui é digna de sentirmos tanto em relação ao passado quanto ao presente, mesmo que ambos não vividos. Saudade de uma estrela brasileira que foi e sempre será fascinante. A inigualável Elis Regina. Infelismente eu era apenas um menino quando ela se foi. Sabia quem era Elis, mas não o que era a Elis. Isso eu descobri bem mais tarde fuçando os LP's lá de casa, e assistindo alguns vídeos na televisão. Realmente fascinante. Que intérprete maravilhosa! Que mulher de fibra! A saudade que eu não vive no passado é óbvia! Agora eu pergunto: imagina o quanto ela iria nos fascinar se ainda tivesse entre nós? Só de imaginar, dá uma tremenda saudade!

A obra da Elis é vastíssima. Na internet existem ínúmeros vídeos, o que prova a sua imortalidade. Portanto, ficou muito difícil escolher apenas um. Mas resolvi postar um, ao meu ver, especial e emocionante. Elis cantando Atrás da Porta, de Chico Buaque. Chico, nesta triste canção, nos brinda com aquilo que ele faz como ninguém, traduzir em letra e canção o mais íntimo sentimento feminino. Sabe aquela cena clichê de novela e filmes, que retrata o fim de um relacionamento, onde o homem abre a porta e se vai, no intuito de nunca mais voltar, e a mulher, faz-se de durona até a porta bater, para depois jogar suas costas à porta em prantos? Então, o que sente a mulher naquele momento de abandono? É o que reflete a música, perfeita nesse propósito. E quando temos Elis Regina interpretando com todo sentimento que lhe caiba, aí é de aplaudir de pé 30 minutos sem parar! Vale conferir!





Atrás da Porta

Chico Buarque e Francis Hime

Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teus pelos, teu pijama
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua

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